Depois de quase duas décadas no marketing corporativo, Luana Hazine trocou os escritórios pelas ferramentas de marcenaria. A mudança radical de carreira surgiu em meio a um processo de burnout e redescoberta pessoal — e acabou se tornando um mergulho profundo em identidade, ancestralidade e propósito.
“Foi um processo longo e até um pouco frustrante. É muito estranho quando a gente percebe que não se conhece mais a ponto de não saber o que gosta e ter que se forçar a descobrir”, lembra Luana. A publicitária sabia apenas que queria algo manual, e de preferência, fora do comum para mulheres. Tentou cerâmica, mas a verdadeira conexão só surgiu quando se lembrou de uma experiência com madeira ainda na infância.
“A marcenaria apareceu no meu campo de possibilidades e foi uma conexão sensorial imediata”, conta. “O cheiro da madeira, o toque, o poder de usar uma ferramenta e transformar um pedaço de árvore em objeto me deixaram muito feliz. Desde a primeira aula eu sabia que ali estava minha paixão.”
Apesar da empolgação inicial, o começo não foi fácil. Luana conciliava cursos aos sábados com a rotina no mercado corporativo e ainda enfrentava os olhares desconfiados de quem não acreditava na capacidade de uma mulher em um setor historicamente masculino. “Sempre tem aquele homem que não sabe nada e acaba duvidando, ou querendo te ajudar porque acha que você não consegue”, relembra. “Quando passou de uma distração para algo mais profissional, percebi na pele a hostilidade do mercado. Ainda existe uma marcenaria ‘específica’ para mulher, como se só pudéssemos fazer certas coisas. Quando, na verdade, a gente pode fazer absolutamente tudo.”
Referências como o mestre Morito Ebine e a marceneira Helen Welch ajudaram Luana a encontrar seu estilo próprio e a enxergar a madeira como um ser vivo. “Com eles aprendi a entender a madeira tecnicamente, respeitar suas características e utilizar as melhores técnicas. Hoje, trago muita inspiração afrodiaspórica para o meu trabalho, mas sempre com esse olhar técnico e cuidadoso que aprendi com meus mestres.”
A peça que marcou a transição da marcenaria como hobby para profissão foi a bandeja Date. “Ela foi a peça que me deu coragem. Através dela entendi que minhas ideias não eram bobas, que poderiam ser produtos desejados por outras pessoas.” Criada inicialmente para uso pessoal, a peça viralizou ainda inacabada nas redes sociais e atraiu diversas encomendas. “Ali eu entendi que talvez todas as minhas outras ideias também pudessem ter valor.”
Após três anos conciliando duas profissões, Luana decidiu dar um salto de fé. No início de 2025, com o fim de um contrato de trabalho e um período de transformações pessoais, ela optou por se dedicar integralmente à marcenaria — e a outros dois projetos: a +PRETTO, uma marca de experiências de entretenimento para pessoas negras, e a AYÓ, consultoria de marketing voltada a pequenos negócios. “Juntei os dois mundos. Hoje, muitos dos meus clientes de marketing são pequenos marceneiros que precisam dessa visão estratégica.”
Mais do que estética e funcionalidade, o trabalho de Luana carrega raízes profundas. Elementos da cultura afro, como o pente garfo Duafe e o espelho Abebé, aparecem com frequência em suas peças, além de buzios, marchetarias e nomes inspirados nas culturas Egípcia, Yorubá e Bantu. “Procuro sempre reverenciar minha cultura e ancestralidade negra na forma como crio”, afirma.
Para outras mulheres que sonham em trilhar caminhos não convencionais, como o da marcenaria, Luana é direta: “Comecem. Façam. Chutem a porta e abram. A gente não precisa ter uma oficina inteira pra começar. Eu comecei no meu apartamento com uma serra tico-tico e um sonho. Hoje tenho a oficina que sempre sonhei. Sonhar é bom, mas realizar é muito mais satisfatório.”
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