20/12/2021 –
Como já era de se esperar, a crise econômica agravada pela pandemia dificultou a contraprestação dos serviços essenciais, como água, luz e gás, pelos destinatários finais. Segundo a Serasa, marca brasileira de análises e informações para decisões de crédito, já são quase 37 milhões de dívidas desse tipo em atraso, o que representa 22,3% do total de débitos dos brasileiros. Em maio do ano passado essa porcentagem era de 21,60%. Além disso, esses números variaram também de acordo com a renda familiar e peculiaridade de cada região do país. Somente considerando o serviço de abastecimento de energia elétrica, antes da crise por conta da pandemia, a média de não pagadores era de 3%. Já em abril deste ano, o percentual de não pagadores chegou a 12%, um dos maiores índices segundo pesquisas realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Importante ressaltar que o setor elétrico já contabiliza um prejuízo superior a R$ 1,8 bilhão, segundo dados do Ministério de Minas. O baixo índice de adimplência, somado à crise hídrica que assolou os meses de abril a agosto, insuflou o aumento das bandeiras e tarifas energéticas. A crise gerada pela inadimplência da maioria reflete na medição e contraprestação dos usuários em geral.
Em novembro, a ANEEL anunciou um reajuste de 52% no valor da bandeira vermelha do tipo 2. A bandeira vermelha é a cobrança de um valor adicional na conta de luz pelo uso da geração de energia das termoelétricas. Destaca-se que, ao todo, são 36,9 milhões de faturas atrasadas no segmento.
Além disso, a ANEEL suspendeu o corte no fornecimento de energia elétrica entre março e setembro deste ano para as famílias de baixa renda e que integram o chamado grupo da tarifa social, evitando, assim, um apagão em massa. Foi uma série de decisões, como: vetar por 90 dias a interrupção por inadimplemento de consumidores residenciais; estender prazos processuais; flexibilizar intervalos de leitura permitindo autoleitura ou estimativa pela média; postergar reajustes tarifários; e autorizar o repasse antecipado de fundos para alívio futuro de encargos (R$ 2 bilhões).
Adicionalmente, a Medida Provisória nº 950/2020 isenta, por 3 meses, o pagamento das contas dos beneficiários da tarifa social (9 milhões, cerca de 13% do total) pelo consumo de até 220 kWh/mês. Ocorre que o tesouro aportará apenas R$ 900 milhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), mas a isenção aplicada deve superar a marca dos R$ 1,2 bilhão. Visando recuperar posterior receita perdida, ante o alto índice deficitário a Medida Provisória supracitada, também prevê encargos tarifários futuros para custear as medidas a serem tomadas compensando a diferença verificada.
A baixa de potência acarreta um corte de carga gerando riscos de grandes cidades enfrentarem cortes de energia diante da consequente escassez de receita advinda da inadimplência territorial contraprestativa, ocasionando assim um déficit energético, semelhante ao apagão ocorrido em 2001. Outra questão são as chuvas, que estão abaixo da média esperada e obrigaram as empresas detentoras do fornecimento de energia a adotarem a medida de risco hídrico, levando-as a comprar energia térmica, considerada uma das mais caras do mercado.
O problema da falta de energia, seja corte ou racionamento, compromete todo o crescimento da economia e os primeiros afetados são os setores de serviços essenciais elegidos pela Constituição Federal como primordiais à sobrevivência. Um programa de medidas a serem adotadas vem sendo discutido pela ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) e pelo planejamento da operação dos sistemas isolados do país, dentre elas a exigência da vazão mínima de água, campanha governamental de economia na utilização da eletricidade, conscientização da população de destinatários finais; aumento da importação de eletricidade de países latinos de acordo com o volume demandado, bem como.
Sendo assim, caso ocorra um despacho térmico maior que o esperado, o acontecimento gerará custos de compra de energia mais elevados. Estes custos são repassados aos consumidores finais e, por esse motivo, com a alta das faturas de energia e aumento exacerbado do índice de inadimplência, as distribuidoras de energia enfrentam uma pressão de capital de giro, o que as impossibilita de estabilizá-lo, diminuir o patamar das bandeiras e retornar à forma de tarifação simples e sem adicionais.
* Lílian Mara da Costa, advogada especialista em Direito Processual com ênfase em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor, Direito de Energia e Direito de Empresa, sócia sênior do escritório Marcelo Tostes Advogados
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